Passados quase dois anos do anúncio da maior fraude contábil da história brasileira, a sensação de impunidade parece aumentar. Os minoritários reclamam da falta de transparência no processo de apuração e de medidas efetivas para que práticas deste tipo sejam coibidas no futuro e que os responsáveis sejam realmente punidos.
Apesar da suspensão das Americanas, desde novembro de 2023, do Novo Mercado – segmento destinado à negociação de ações de empresas que adotam, voluntariamente, práticas de governança corporativa adicionais às da legislação – a sanção é provisória. A Companhia descumpriu várias das exigências impostas pela B3. A bolsa brasileira, por sua vez, não determinou uma data para corrigir as irregularidades.
Em setembro deste ano, o Instituto Empresa enviou à B3 o pedido de exclusão definitiva da Companhia. A solicitação se justifica pelo fato de a varejista não ter cumprido algumas das exigências da própria B3 para assegurar a transparência de sua gestão, necessárias para a continuidade no segmento em que se encontra suspensa.
“A B3 não estipulou um prazo para que a Americanas cumprisse as determinações. Porém, o artigo 59 do Regulamento dispõe que, em caso de descumprimento das obrigações regulamentares por um período superior a nove meses, deverá ser imposta sanção de saída compulsória do Novo Mercado, mediante realização de uma oferta pública de aquisição de ações”, explica o advogado Luís Fernando Guerrero, do Escritório Lobo de Rizzo, que representa o Instituto.
A B3 também decidiu pela responsabilização de vários membros do Board das Americanas, incluindo sócios e familiares do Grupo 3 G. Mas as decisões definitivas, após recurso, ainda não foram tornadas públicas.
Já a CVM acaba de anunciar que absolveu o ex-presidente da Americanas, Sergio Rial, das acusações relacionadas à divulgação de informações após descoberta de rombo contábil e que condenou João Guerra, que assumiu como CEO interino logo após a renúncia de Rial.
A autarquia também concluiu o Inquérito Administrativo 19957.000946/2023-08, relacionado ao uso de informação privilegiada na negociação de ativos de emissão por diretores e funcionários da Americanas antes da divulgação das “inconsistências contábeis” por meio do Fato Relevante em 11/1/2023. A decisão é importante para que, posteriormente, o Ministério Público Federal (MPF) inicie a ação penal pelo crime de Insider trading.
Outro evento importante foi a diluição dos acionistas minoritários pela própria ampliação do capital social. Com o ajuste que beneficiou apenas aos bancos, houve uma ainda maior concentração do poder de decisão dentro da Companhia. “As Americanas já eram controladas por um pequeno e conhecido grupo de pessoas que conduziram seu itinerário até aqui. Agora, eles são praticamente donos absolutos da Companhia”, afirma Eduardo Silva, Presidente do Instituto Empresa, que defende os minoritários, referindo-se a uma concentração de capital na ordem de 50% do capital votante.
Com este montante de votos foi fácil aprovar que se processe alguns dos Ex-Diretores, supostamente isentando a Companhia e seus controladores, ainda que a fraude tenha sido sistêmica e se de desenvolvido por cerca de uma década, não tendo sido notada pelo Controle Interno, Conselho Fiscal, Conselho de Administração e Auditores Externos.
A votação das Americanas bate de frente com o que estabeleceu a B3 há cerca de um ano. Vários Conselheiros, Membros do Comitê de Auditoria e mesmo controladores e seus familiares foram responsabilizados pessoalmente por não exercerem o controle e a supervisão adequados sobre a Companhia. “A gestão dos recursos alheios impõe deveres fiduciários dos controladores em relação aos demais acionistas que devem zelar por estes valores, o que não aconteceu no caso”, afirma Silva.
As decisões da CVM, da B3, do Ministério Público Federal e mesmo da Assembleia das Americanas em processar alguns dos Ex-Diretores, não afetarão, contudo, o pleito dos minoritários. Por força de cláusula do Estatuto, apenas por meio de arbitragem pode-se pleitear indenização.
O pedido dos minoritários não se refere a quaisquer direitos que possam se confundir com prejuízos da Companhia ou com a desvalorização das ações. “Em realidade – explica Silva – os investidores sequer teriam adquirido os papéis se soubessem do verdadeiro estado da Empresa. Toda a informação da Companhia ao mercado estava profundamente manipulada e distorcida, gerando decisões de compra viciadas que precisam ter sua nulidade reconhecida.”