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A Nike está perdendo a corrida

“A Nike relatou uma queda de 10% nas vendas trimestrais e retirou sua previsão anual nesta terça-feira.” Resgatei esta frase de uma matéria do Financial Times em outubro deste ano. Caso estivesse em sala de aula, algum aluno “apressadinho” viria com a pergunta: “Mas o que isso tem a ver com marketing, Poli? Isso é assunto para aula de finanças!”. Nessa situação, o silêncio fúnebre desse professor, ainda que por alguns instantes, seria suficiente para que fosse gerado um profundo arrependimento na mente do aluno “desbocado”. Com toda certeza que possa existir, tal estudante se lembraria de uma célebre frase de seu professor: “Marketing é irmão gêmeo de finanças”, o que é justificado pelo fato da palavra “lucro” estar presente nas mais clássicas definições de marketing.

Quem poderia imaginar que uma empresa detentora de uma marca tão potente e admirada, com uma história tão instigante, se tornasse notícia por motivos tão infortúnios?

Ouso arriscar, sem a mínima intenção de valorizar os ossos de meu ofício, de que as razões giram em torno de questões eminentemente ligadas a marketing. Ao ler e reler algumas matérias a respeito do tema, certos fatos que poderiam passar despercebidos, certamente para aqueles que acham que marketing acontece somente no mundo digital, capturaram a minha atenção. Alguns deles chegam a ser inacreditáveis.

Parte da justificativa “corporativa” da NIKE diante da situação atual gira em torno da queda da demanda por seus produtos, algo que desconfiei logo de cara. Em uma rápida busca no Google chega-se ao seguinte fato: “Em primeiro lugar, o mercado de moda fitness deverá crescer de US$13,00 bilhões em 2023 para impressionantes US$16,30 bilhões até 2028.” Logo, é fácil concluir que, quase sempre, a resposta mais óbvia é a mais frágil. A culpa é sempre vem de outro lugar ou é de alguém, não é verdade?

Descartada a principal variável incontrolável da equação, há de se considerar a máxima de que “o resultado de hoje é consequência do planejamento de ontem”. Em vista disso, as referidas matérias jornalísticas dão conta de que o CEO que assumiu a direção da NIKE em janeiro de 2020, ou seja, pouco antes da famosa pandemia, foi inicialmente elogiado pela condução da gestão do negócio, tendo acelerado de forma rápida a mudança para as vendas diretas ao consumidor.

Não se trata de um fato novo, visto que inúmeras marcas assim o fizeram também de forma muito competente. No entanto, boa parte delas caiu na tentação diabólica de que poderiam crescer e prosperar sem a presença nos tradicionais canais de distribuição após a pandemia. Não precisar mais pagar o pedágio de atacadistas e varejistas foi realmente o canto da sereia para algumas delas. Até mesmo para a marca cujo nome remete a uma deusa da mitologia grega. Pelo visto, até mesmo os deuses se enganam.

Ficar de fora dos tradicionais canais de distribuição durante a pandemia foi algo quase obrigatório, ainda que a presença nesses mesmos canais em sua forma digital também o fosse. Mas a tentação veio justamente da possibilidade de se ter os próprios canais de distribuição “eletrônicos”. Afinal, nada como se relacionar diretamente com seus mais diversos públicos-alvo. Superados os desafios logísticos, tem tudo para dar certo, como assim ocorreu.

A tentação ficou ainda mais sedutora quando se passou a acreditar no dito “novo normal”, tão propagado, difundido e defendido por inúmeros analistas e gurus do mundo digital. Ideia que esse professor metido a escrevinhador sempre desconfiou, principalmente depois de ler alguns artigos de antropólogos sérios que retrataram contextos históricos decorridos após pandemias passadas. Expressei essa ideia claramente em uma frase presente num projeto de consultoria para o maior fabricante de bebidas desse país: “Após a pandemia, as pessoas vão querer suas vidas de volta”.

A demanda por shows e turismo são exemplos, mais do que evidentes, de que a teimosia em nadar contra a corrente das ideias óbvias não foi em vão. Insistir em permanecer nos canais digitais próprios negligenciando a volta aos tradicionais canais de distribuição cobrou o seu preço. Afinal, pessoas voltaram a passear nos shoppings, mais do que nunca. Não estar presente no varejo físico implica necessariamente que alguém estará. Nesse caso específico, marcas como a On e a Hoka, principalmente em terras do Tio Sam e na Grande China. Segundo a matéria do FT, tais marcas obtiveram crescimentos significativos no “pós-pandemia”, fato oposto ao ocorrido na NIKE.

Como diria Isaac Newton, dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Recuperar o espaço nas prateleiras passou a ser o grande desafio para a NIKE. Isso vai custar muito tempo, ainda mais quando se tem que enfrentar o ressentimento de varejistas outrora abandonados. E tempo, nesse caso, é literalmente dinheiro. Arriscaria dizer que se trata de um bom momento para comprar ações dessa empresa com vistas a um bom retorno num futuro de dois a três anos, mas é prudente não acreditar em mim quando o assunto é esse.

Por fim, outra justificativa envolve a gestão de portfólio. Alguns analistas defendem a ideia de que a NIKE ousou demais no que tange as tendências de moda de “nível intermediário”, faixa que também foi invadida por marcas mais premium e atrativas a consumidores dessa vertente. Em vista disso, outros analistas apontam que “o conceito de oferecer tudo para todos” já não vale mais para o setor em questão, ainda mais para o grupo estratégico da NIKE. Em outras palavras, um choque derivado do desnatamento de uns contra a elevação de outros. Confesso que tal análise é complexa e requer um estudo muito consistente para se chegar a tais conclusões. Por enquanto, acreditemos nos analistas.

A NIKE sempre primou por seu foco no desenvolvimento de produtos inovadores em termos de design e tecnologia. Por muito tempo, preferiu deixar seus processos de fabricação e distribuição alheios ao negócio principal, assim como faz a COCA-COLA até hoje.

Enquanto isso, “Adidas relata crescimento de 10% nas vendas no terceiro trimestre e aumenta a projeção pela terceira vez neste ano”, diz outra matéria, publicada ao final de outubro pela Footwearnews.

No mundo dos negócios, assim como na vida, tudo é permitido, mas nem tudo é conveniente.

Ricardo Poli
Ricardo Poli
Ricardo Poli é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP e professor de Marketing da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT).
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